Sem dúvidas, quando se fala em tecnologia uma das palavras mais dissipadas e, ao mesmo tempo, mais intrigantes da última década é blockchain. Desde a sua criação, em 2008, não demorou muito para que o termo transcendesse a órbita da economia e das criptomoedas e passasse a ser citado em discussões sobre governança, saúde, energia, logística, seguros e, é claro, propriedade intelectual.
A Blockchain pode ser definida como o conjunto de tecnologias empregadas para o registro distribuído de transações e dados em uma rede descentralizada, transparente e segura, que é organizada em blocos sequenciados - daí o nome “cadeia de blocos”, cujo conteúdo é validado pelo consenso de seus próprios participantes.
Falando sobre assuas características, a blockchain é considerada “descentralizada” porque o seu funcionamento não é controlado por qualquer entidade centralizadora, pública ou privada; ela é “transparente” pois disponibiliza informações básicas, como data e hora, para qualquer usuário sobre todas as transações que ocorrem nela; por fim, ela é “segura” devido ao fato de os conteúdos de cada transação serem preservados por meio da criptografia.
Não por acaso, a blockchain é frequentemente associada à figura de um livro de registros, no qual cada bloco de informações contém cabeçalho e dados e é vinculado ao seu antecessor por meio de um hash, isto é, de uma sequência única de caracteres criada via algoritmo.
Nesse sentido,eventuais alterações em um bloco implicariam modificações em seu hash,as quais, consequentemente, necessitariam ser transmitidas aos blocos seguintes. Ocorre que a validação de cada transação não é tão simples, pois depende do consenso dos participantes da rede quanto à sua legitimidade.
Em razão dessa estrutura robusta, as transações feitas em blockchain são praticamente imutáveis. Assim, pela confiança que transmite e por sua velocidade, eficiência e independência, a tecnologia pode ser uma ótima alternativa para resguardar ou ampliar a proteção de direitos relacionados a criações artísticas e bens de indústria e comércio.
No Brasil, onde os direitos de propriedade intelectual são disciplinados a partir de leis esparsas, de acordo com as especificidades de cada complexo – direitos de autor e conexos, propriedade industrial e proteções sui generis -, é possível vislumbrar diversas aplicações interessantes da tecnologia blockchain.
A primeira delas, e talvez a mais famosa, consiste na possibilidade de registro de uma obra intelectual através de plataformas virtuais que, por meio da blockchain, permitem atestar quem é o seu autor e criar uma prova temporal (timestamp) de que aquela obra foi de fato produzida.
Essa funcionalidade é bem importante porque a partir dela se torna muito mais fácil responsabilizar terceiros em casos de omissão de autoria, reprodução não autorizada e outras violações, mesmo que a Lei de Direitos Autorais brasileira (Lei nº9.610 de 1988) enuncie que a constituição e o exercício de direitos de autor e conexos sobre uma obra não dependam de seu registro.
É verdade que há outros meios válidos para a promoção do registro de obras intelectuais no país, como o comparecimento ou o envio de cópias físicas à Biblioteca Nacional e à Escola de Belas Artes, no entanto, em termos de praticidade, custos e tempo, quase sempre as plataformas baseadas em blockchain se mostram mais vantajosas.
A Câmara Brasileira do Livro (CBL), associação sem fins lucrativos de grande prestígio nacional, passou a utilizar a tecnologia blockchain para emitir, digitalmente, certificados de registro de obra, os quais apresentam, cada qual, um hash capaz de preservar a integridade da criação e indicar a quem, de fato, pertence a respectiva titularidade de direitos morais e patrimoniais. A partir da mesma plataforma podem ser registrados, ainda, diversos contratos de disposição de direitos autorais, como os de edição de obra, cessão e licenciamento.
Outra conexão interessante estabelecida pela blockchain é com relação aos NFTs (non-fungibletokens ou, em tradução direta, tokens não fungíveis), pois esse tipo de criptoativo é cunhado necessariamente por meio de tal tecnologia.
Em outras palavras, para criar (ou mintar) um NFT, é necessário transformar um arquivo digital – geralmente uma arte (digital ou física) – em um ativo digital, o que é feito por meio de um registro em blockchain. A esse procedimento, inclusive, dá-se o nomede tokenização.
Como a essência de um NFT é a de representar ativos únicos e escassos, além da relevância financeira e jurídica, suas transações envolvem direitos de propriedade intelectual relacionados à obra original e à obra tokenizada, que não devem ser confundidos.
Nesse sentido, a definição da extensão de direitos relacionados a um NFT pode, por exemplo, ser delimitada a partir de contratos inteligentes (smart contracts), outra grande funcionalidade ofertada pela tecnologia blockchain.
Eventuais direitos sobre os tokens e ativos tokenizados também podem estar em documentos relacionados ao token, como em White pappers, descrições de marketplaces, termos de uso, regulamentos, entre outros.
Com relação à propriedade industrial, como marcas, patentes e desenhos industriais, também é possível visualizar utilizações interessantes da blockchain, ainda que os direitos relacionados à propriedade industrial no Brasil surjam a partir do ato de registro perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
Na legislação pátria, optou-se pelo sistema atributivo de direitos, de modo que a propriedade e a exclusividade na exploração dos bens de indústria e comércio dependem da concessão dada pelo INPI, e não de seu desenvolvimento ou uso continuado.
Em alguns processos de registros de marca, por exemplo, é discutida a anterioridade de uso do sinal pelas partes. Como regra, a prioridade na utilização de uma marca começa a ser contada a partir da data em que seu requerente realiza o pedido de registro perante o INPI.
Porém, a Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279 de 1996) admite, como exceção, a invocação do direito de precedência por todo usuário que empregava, de boa-fé, há pelo menos seis meses, marca igual ou semelhante para identificar produtos ou serviços idênticos ou afins aos da marca primeiramente depositada.
No caso de invocação do direito de precedência é essencial que as partes juntem e apresentem ao INPI provas idôneas de que criaram e usaram a marca para a qual reivindicam a proteção. Dessa forma, o registro em blockchain pode ser um ótimo meio de prova de anterioridade e de uso de marca, por possuir as características de imutabilidade e segurança, essenciais para a valoração de uma prova.
No que diz respeito às patentes, pode-se visualizar, ainda, o uso de blockchain como peça-chave de invenções ou modelos de utilidade. Apenas para se ter uma noção, em uma breve consulta à base de dados pública do INPI, já é possível encontrar quarenta e sete pedidos de patente para soluções técnicas relacionadas a essa tecnologia. Em nível mundial, esse número se mostra bem mais expressivo, o que revela o grande potencial transformador da blockchain em nossas vidas.
E se engana quem pensa que a aplicação da tecnologia blockchain em determinado tipo de propriedade intelectual estará restrito apenas a uma funcionalidade. A Disney conseguiu, em 2021, obter a carta-patente para uma solução em blockchain que previne o vazamento de suas produções audiovisuais antes mesmo do lançamento, ou seja, que combate diretamente a violação de direitos de autor.
Com certeza, este é só o começo. A equipe de Blockchain e web3 do Fcmlaw está à disposição para esclarecer dúvidas e auxiliar na adoção de quaisquer medidas necessárias.
MORAES, Alexandre Fernandes de. Bitcoin e blockchain a revolução das moedas digitais. São Paulo: Expressa, 2021, p. 19, recurso online. ISBN 9786558110293.
MARCHSIN, KarinaBastos Kaehler. Blockchain e smart contracts as inovações noâmbito do direito. São Paulo: Saraiva Jur, 2022, p. 14-15, recurso online. ISBN9786555599398.
Ibidem, p. 18.
Art. 18, LDA. A proteção aos direitos de que trata esta Lei independe deregistro.
Para mais informações, consultar: https://www.cblservicos.org.br/registro/
US10992454B2 - Blockchain configuration for secure content delivery - Google Patents