Nos últimos anos, temos acompanhado uma crescente discussão acerca da necessidade de criar leis para lidar com os desafios do universo dos criptoativos. Esse debate ganhou ainda mais força depois de diversos eventos negativos, como o colapso da exchange FTX. A FTX, que chegou a ser avaliada em US$ 32 bilhões, acabou por não ter liquidez suficiente para pagar os clientes que queriam resgatar seus ativos.
A Lei 14.478, publicada em 22 de dezembro de 2022, estabeleceu determinadas diretrizes de estratégias regulatórias a serem cumpridas pelas prestadoras de serviços de ativos virtuais no Brasil.
Primeiramente, é importante destacar que a Lei define "Ativo Virtual" como uma representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento.
Exclui-se deste entendimento determinados tipos de moedas e ativos, são eles:
· moeda nacional e moedas estrangeiras;
· a moeda eletrônica, nos termos da Lei nº 12.865/2013, que dispõe sobre o Sistema de Pagamentos Brasileiro;
· instrumentos que provejam ao seu titular acesso a produtos ou serviços especificados ou a benefício proveniente desses produtos ou serviços, a exemplo de pontos e recompensas de programas de fidelidade; e
· representações de ativos cuja emissão, escrituração, negociação ou liquidação esteja prevista em lei ou regulamento, a exemplo de valores mobiliários e de ativos financeiros(Art.3º).
A Lei define as prestadoras de serviços de ativos virtuais como aquelas que executam, em nome de terceiros, pelo menos um dos serviços de ativos virtuais, que incluem:
· a troca entre ativos virtuais e moeda nacional ou estrangeira;
· transferência de ativos virtuais;
· custódia ou administração de ativos virtuais ou de instrumentos que possibilitem controle sobre ativos virtuais;
· ou participação em serviços financeiros e prestação de serviços relacionados à oferta por um emissor ou venda de ativos virtuais (Art.5º).
Em junho de 2023, foi publicado o Decreto nº 11.563 dando ao Banco Central a competência de regular não só o mercado de criptoativos, mas as entidades que fazem a intermediação, que são as prestadoras de serviços de ativos virtuais. Essas prestadoras só poderão funcionar no Brasil mediante autorização do Banco Central.
Destaca-se que, caso o ativo virtual seja classificado como um valor mobiliário, os emissores e outros agentes envolvidos terão a obrigação de seguir as normas estabelecidas para o mercado de valores mobiliários e poderão ser regulados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Além das normas já existentes, temos manifestações recentes sobre esse assunto, como o Parecer de Orientação 40 e o Ofício Circular CVM/SSE 04/23.
O desenvolvimento de empreendimentos disruptivos no âmbito do mercado de ativos virtuais tem criado oportunidades de negócio e junto com elas, alguns desafios e riscos decorrentes das inovações.
As características dos ativos virtuais, tais como a avançada tecnologia, a inexistência de controle governamental, a descentralização, as transações internacionais e o anonimato parcial, podem facilitar a utilização desses ativos como ferramenta para a prática de diversos crimes, como a lavagem de dinheiro, e representar riscos significativos para consumidores e investidores caso as medidas de proteção adequadas não sejam adotadas.
Destacamos abaixo os pontos de atenção que as empresas que atuam ou que pretendem atuar como prestadoras de serviços de ativos virtuais devem ter, com base nas diretrizes da Lei 14.478/2022:
a) Definição de Ativos Virtuais: as empresas devem ter clareza sobre a definição de ativos virtuais, segundo os parâmetros da Lei;
b) Autorização para Operar: é importante estar atento às diretrizes estabelecidas pela Lei e se preparar para a regulamentação específica a ser emitida pelo Banco Central;
c) Análise Regulatória Contínua: as empresas que atuam como prestadoras de serviços de ativos virtuais devem considerar um acompanhamento regulatório recorrente à luz das normas regulatórias vigentes, buscando garantir a solidez de suas operações e a implementação de medidas para mitigar riscos e prevenir atividades ilícitas;
d) Fluxo Societário e Tributário: a empresa deve preocupar-se desde o início com a construção do seu fluxo jurídico, em especial com uma estruturação corporativa sólida e um planejamento tributário eficiente para evitar lacunas e vulnerabilidades que possam comprometer a segurança jurídica e operacional da empresa;
e) Compliance e Anticorrupção: é importante que a empresa defina e elabore políticas e procedimentos internos para mitigar os riscos específicos envolvidos na operação de ativos virtuais, observando, principalmente, as seguintes legislações: Lei nº 7.492/1986 (Lei de Crimes Financeiros), Lei nº 9.613/1998 (Lei de Crimes de Lavagem de Dinheiro ou Ocultação de Bens) e a Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção Empresarial);
f) Proteção e defesa dos consumidores: as prestadoras de serviços de ativos virtuais, na medida do possível, devem aplicar as disposições da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) às operações no mercado de ativos virtuais;
g) Boas Práticas de Governança e Transparência nas Operações: É importante que a empresa elabore um mapeamento da operação à luz da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), bem como crie as suas políticas e regulamentos para implementação da governança corporativa e para atendimento integral às exigências da legislação aplicável.
Em 14 de dezembro de 2023, o Banco Central iniciou uma consulta pública para reunir informações e opiniões sobre o mercado de criptoativos. Esta iniciativa visa coletar subsídios em áreas como governança corporativa, Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento ao Terrorismo (PLD-FT), gestão de riscos, definição de controle, e métodos eficazes de monitoramento da custódia de criptoativos. Este processo demonstra um esforço para compreender e regular melhor o crescente mercado dos criptoativos.
É altamente recomendável que as empresas que atuam ou pretendem atuar no mercado cripto busquem assessoria jurídica especializada desde o início de suas operações, afim de garantir a conformidade com as leis e as regulamentações aplicáveis para que possam operar de forma segura e sustentável.