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Sandbox Regulatório: oportunidades, obstáculos e riscos.

Tempo de Leitura: 10 minutos

O sandbox regulatório representa um marco inovador na interação entre a inovação tecnológica e a regulamentação governamental. Trata-se de um ambiente experimental controlado, criado com o propósito de permitir que startups e empresas testem novas tecnologias, produtos, serviços e modelos de negócios sob a supervisão flexível de um órgão regulador. Este mecanismo proporciona uma oportunidade única para que as iniciativas inovadoras sejam exploradas em um contexto real de mercado, mas com certas salvaguardas que visam proteger os consumidores e garantir a estabilidade do setor.

O que é o sandbox regulatório?

 

O sandbox regulatório é um ambiente experimental controlado e desenhado pelo órgão regulador que permite que startups e empresas testem novas tecnologias, produtos, serviços e modelos de negócios sob uma supervisão regulatória flexível, com afastamento temporário de normas aplicáveis a determinado setor.

 

Ele pode ser considerado um ambiente de testes, prototipação e aprendizado seguro, em que o próprio órgão regulador acompanha a experimentação dos projetos permitindo que empresas e startups lancem produtos inovadores com menos burocracia e mais flexibilidade.

 

Por que o sandbox regulatório foi criado?

 

O objetivodo sandbox regulatório é estimular a inovação tecnológica, sem perder o controle sobre novos negócios, mitigando riscos e permitindo que agentes públicos e privados observem na prática os benefícios e riscos gerados por soluções inovadoras, coletando dados e evidências para avaliar qual tratamento regulatório é o mais adequado ao caso concreto.

 

Entre os principais objetivos, destacam-se:

 

i.            Reduzir barreiras regulatórias à entrada de novos agentes e à introdução de novas tecnologias;

ii.          Propiciar o teste em ambiente real de produtos, serviços e processos inovadores, reduzindo a incerteza e os riscos inerentes ao processo inovativo;

iii.         Facilitar o diálogo entre reguladores e setor regulado, promovendo a troca de informações sobre produtos, serviços e processos inovadores;

iv.         Atrair investimentos, empresas e startups; e

v.          Coletar dados e evidências que subsidiem a edição de nova regulação ou a revisão das normas vigentes.

 

“As inovações, através do Sandbox, podem ser testadas em um ambiente de mercado real, mas com salva guardas adequadas para proteger os consumidores e a estabilidade do mercado.”

(BUCKLEY et al., 2016, p. 2). [MM1] 

 

Qual a base legal do Sandbox regulatório?

 

O permissivo legal para adoção do sandbox regulatório, na legislação brasileira, se fundamenta no art. 11 do Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador (Lei Complementar nº182/2021).

 

Entretanto, desde 2019, por meio da Lei nº 13.874/2019, em seu art. 3º, inciso VI, tornou-se possível para as empresas desenvolverem, executarem, operarem ou comercializarem novas modalidades de produtos e serviços quando as normas infralegais se tornarem desatualizadas devido ao desenvolvimento tecnológico consolidado internacionalmente. Isso é permitido, desde que atendam aos requisitos estabelecidos em um regulamento futuro que disciplinará essa situação.

 

Sandbox regulatório no setor financeiro

 

No Brasil, as primeiras experiências envolvendo o emprego de ambientes regulatórios experimentais ocorreram no setor financeiro. Em 2019, o Ministério da Economia, o Banco Central do Brasil (BCB), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Superintendência de Seguros Privados (Susep) divulgaram um Comunicado Conjunto sobre a adoção do modelo de sandbox regulatório no Brasil.

 

O Comunicado estabeleceu as diretrizes gerais para a implementação do sandbox no setor financeiro, incluindo os critérios para a seleção das startups participantes, os procedimentos para o monitoramento e avaliação das atividades e as condições para o afastamento temporário das normas aplicáveis.

 

Quais são as oportunidades, obstáculos e riscos do Sandbox Regulatório?

 

O Laboratório de Inovação do Tribunal de Contas da União(coLAB-i) divulgou[MM2] [GF3] , em 2 de setembro de 2023, um relatório que analisa as oportunidades, obstáculos e riscos do Sandbox Regulatório. O documento apresenta os resultados dos estudos realizados ao longo do primeiro semestre de 2023 sobre a implementação fora do setor financeiro de programas de ambiente regulatório experimental por entidades da Administração Pública brasileira.

 

Obstáculos e riscos

 

O relatório identifica alguns obstáculos e riscos relacionados aos sandboxes regulatórios que merecem destaque, sendo eles:

 

     i.       “Risco de by-passregulatório”: Os Sandboxes regulatórios não devem ser utilizados como uma maneira de burlar a regulamentação. Os editais devem exigir que os interessados demonstrem como a tecnologia pode beneficiar o setor regulado.

 

Assim, para reduzir esse risco, é sugerido que, como requisito da proposta no edital de chamamento público, os interessados em aderir ao ambiente regulatório experimental mostrem por que as normativas vigentes impedem o desenvolvimento de seus modelos de negócio, expondo como a tecnologia pode beneficiar o setor regulado com a introdução de produtos, serviços e processos novos ou aprimorados no mercado.

 

   ii.       “Alocação de incentivos no first mover e efeito carona”: Os Sandboxes regulatórios enfrentam desafios devido à falta de incentivos para empresas inovadoras serem as primeiras a participar, o que pode resultar em comportamento de "carona" e reduzir o potencial do instrumento para promover a inovação.

 

Para resolver esse problema, é necessário que os governos criem mecanismos para incentivar as empresas e startups a participarem dos Sandboxes regulatórios. Esses mecanismos podem incluir a redução dos custos de transação, a concessão de incentivos fiscais ou a garantia de proteção jurídica para as empresas participantes.

 

  iii.       Captura, desregulação e “race to the bottom”: Os Sandboxes regulatórios podem ser suscetíveis à captura pelo setor regulado, resultando em desregulação ou uma competição prejudicial. Portanto, é crucial que os governos implementem Sandboxes de maneira responsável, com mecanismos para mitigar esses riscos.

 

Isso requer investimento adequado, alocação de equipe reguladora para acompanhar e monitorar o programa, além de um elevado comprometimento institucional para evitar frustrações das expectativas dos participantes durante o processo.

 

  iv.       “Distorções concorrenciais”: Os Sandboxes regulatórios podem gerar distorções concorrenciais, já que as empresas participantes podem receber benefícios econômicos indisponíveis para outras empresas do mercado. Para mitigar esse risco, é fundamental que os Sandboxes sejam cuidadosamente planejados e monitorados.

 

Em setores financeiros, é comum impor limites ao número de clientes atendidos, à quantidade e ao volume de operações realizadas pelas empresas participantes, permitindo que testem suas inovações sem prejudicar a concorrência no mercado.

 

Outro ponto que merece atenção é que o Sandbox regulatório, previsto no ordenamento brasileiro, pode afastar a incidência de normas legais ou regulamentares, mas a forma como isso deve ser feito ainda não está totalmente clara, especialmente em programas executados mediante parcerias entre diversos entes federados.

 

Em alguns casos, como o regulamento editado pelo Município de Goiânia, as autorizações podem ser veiculadas mediante decreto editado pelo Chefe do Poder Executivo, eliminando dúvidas quanto ao afastamento de normas infralegais no âmbito municipal. Esse ponto não é pacífico e pode suscitar questionamentos, especialmente em programas executados mediante parcerias entre diferentes entes federados.


Recomendações


Para que o sandbox regulatório no Brasil seja um instrumento eficaz na promoção da inovação e do empreendedorismo, apresentamos algumas recomendações de boas práticas que podem ser levadas em considerações pelo órgão regulador:

 

·        Aperfeiçoar a legislação e a regulamentação para garantir a segurança jurídica das empresas participantes, com definição clara dos critérios para afastamento de normas regulatórias, proteção jurídica e criação de mecanismos para mitigar os risco de captura e desregulação.

 

·        Criar mecanismos de incentivo através da redução dos custos de transação, concessão de incentivos fiscais e garantia da proteção jurídica para as empresas participantes, a fim de incentivar a participação de empresas inovadoras e startups.

 

·        Desenvolver uma cultura de inovação no setor público através da abertura dos reguladores para testar novas soluções e estabelecimento de confiança no sistema por parte das empresas inovadoras e startups.

 

Além das recomendações apresentadas acima, é de suma importância o acompanhamento e monitoramento sistemático das experiências de sandbox regulatório para difundiras lições do relatório, visando estimular da inovação no cenário brasileiro.

 

A implementação dessas recomendações pode constituir um primeiro passo para destravar obstáculos e adotar práticas de gerenciamento de riscos que permitam o desenvolvimento seguro de ambientes regulatórios experimentais no Brasil.

Por fim, o relatório destaca três experiências de sandbox regulatório ainda em andamento: o caso pioneiro do Município de Foz do Iguaçu, o programa estruturado pelo Rio de Janeiro, e a experiência de sandbox tarifário da ANEEL, que serão apresentadas abaixo.

 

Sandbox Foz do Iguaçu

 

Foz do Iguaçu se tornou, em 2020, o primeiro município brasileiro a implementar um programa de sandbox regulatório, visando o desenvolvimento de cidades inteligentes, com a transformação do bairro Vila A no primeiro bairro inteligente do país.


Para tanto, a Prefeitura Municipal recebeu apoio de diversas instituições, como a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), o Parque Tecnológico de Itaipu (PTI), a Itaipu Binacional, a Companhia Paranaense de Energia(COPEL),Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro),entre outros.

 

O decreto que regulamenta o sandbox em Foz do Iguaçu permite a suspensão temporária de leis municipais em diversas áreas, como fiscal, econômica e urbanística, desde que os projetos tenham um caráter inovador claro. Esta flexibilidade é administrada por um comitê gestor que define o escopo e a duração das suspensões.

 

A experiência de Foz do Iguaçu ilustra uma tendência e uso flexível do conceito de sandbox, que, embora não exija um rigor jurídico estrito, enfrenta desafios devido à falta de clareza na sua modelagem, o que pode impactar a implementação de ambientes regulatórios experimentais no Brasil.

 

Sandbox.Rio

 

O programa Sandbox.Rio, lançado pela Prefeitura do Rio de Janeiro em 2022, permite que startups e empresas inovadoras testem produtos e serviços em um ambiente controlado, com afastamento temporário de normas municipais.

 

O modelo adotado pelo Sandbox.Rio é bottom-up, ou seja, os projetos são selecionados individualmente, com base em critérios como grau de inovação, maturidade do empreendimento, impacto da tecnologia, imprescindibilidade do sandbox, risco do projeto, capacidade técnica da equipe e sustentabilidade financeira.

 

A primeira chamada pública do programa foi realizada em julho de 2022, e foram recebidas oito propostas. Cinco delas foram selecionadas, mas os nomes dos proponentes e as resoluções secretariais concedendo-lhes autorização temporária ainda não foram publicados.

 

O Sandbox.Rio é considerado um modelo de sucesso, e já foi replicado por outros municípios brasileiros, sendo visto como uma ferramenta promissora para promover a inovação e o empreendedorismo no país.

 

Sandbox Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)

 

A ANEEL, como agência reguladora do setor elétrico brasileiro, tem desempenhado um papel significativo na promoção da inovação através de seu programa de pesquisa e desenvolvimento (P&D). Em2019, a agência aprovou um projeto-piloto da COPEL para contratação de energia de produtores independentes de energia de pequeno e médio porte.

 

Em 2022, a ANEEL lançou uma chamada pública para receber propostas de projetos-pilotos sobre experimentação de novas tarifas e outros projetos que envolvem faturamento dos consumidores de energia elétrica.

 

A governança desse sandbox regulatório é estruturada e minuciosa, passando por etapas que incluem manifestação de interesse, formação de parcerias, apresentação de propostas definitivas, análise técnica e, finalmente, aprovação por meio de uma resolução autorizativa.

 

Em abril de 2023, a ANEEL aprovou o início de seis projetos de sandbox tarifários avaliados em R$ 76,7 milhões, com impacto em cerca de 41,5 mil Unidades Consumidoras (UC) em todo o Brasil.

 

Podemos concluir que o sandbox regulatório é uma ferramenta promissora para promover a inovação no Brasil. No entanto, é importante que sua implementação seja bem planejada e executada, de forma a mitigar os riscos e obstáculos identificados. A experiência brasileira ainda é recente, mas já é possível identificar alguns casos de sucesso.

 

 

REFERÊNCIA:

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Sandbox Regulatório no Marco Legal das Startups. Tribunal de Contas da União, Rafael Carvalho de Fassio. – Brasília : TCU, Laboratório de Inovação, 2023. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A81881E8A58908F018BBA65BDD62CB3. Acesso em 11 dez. 2023.

 

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